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Tic-Tac

Posted by Bells on 22:36 in
00:00. O telefone toca. Tem sempre um besta que a acorda na virada do dia para ser o primeiro a dar parabéns. E sim, sabendo que ela dorme cedo.
7:00. O despertador toca. O botão soneca faz o toque se repetir às 7:10. Rastejar para fora das cobertas e pisar na madeira congelada não é exatamente uma injeção de ânimo para o seu dia. Desliza os pés para a pantufa que sempre está longe demais e segue para o banheiro. Divaga uns minutos sentada não trono. Chega até a quase voltar a dormir. Mas aniversariantes não têm descanso. São 7:20 e seu telefone a chama, exigindo que ela se ajeite e corra para atendê-lo. As felicitações começam logo cedo.
7:40. Já está devidamente higienizada, arrumada e alimentada. Tem cinco minutos para chegar na escola. Pega sua bicicleta e chega lá em três. E em dois minutos ganha milhares de puxões de orelha, beijos, abraços, tapinhas no ombro, felicitações, que chegam de todos os lados e parecem não pertencer a ninguém. Cada professor que entra na aula é lembrado pelos alunos da necessidade de parabenizá-la. No intervalo a moça da lanchonete lhe dá de presente uma fatia de torta, um sorriso e felicitações clichê. O telefone toca e ela recebe então parabéns das pessoas ao redor e das do outro lado da linha. Seu bom humor já foi para o espaço e nem sinais de voltar. Às 11:45 foge da escola e se refugia no apartamento. Almoça qualquer porcaria e deita na cama. O telefone chama sem parar e ela sabe qual vai ser o único telefonema que não vai receber. Nas milhares de ligações que recebeu e agradeceu, ninguém reparou na sua voz embargada pelo choro. Seu orkut chovia de mensagens de pessoas que só se lembravam dela quando o site avisava que era seu aniversário. Nada ali também. Anotou mentalmente que da próxima vez não amaria alguém com tanta aversão a tecnologia.
O dia se arrasta e já é hora de dormir. Amanhã não será mais seu dia especial. Sua cama não está nada convidativa e os canais da TV aberta não exibem nada descente. Tenta se distrair com a louça ou relaxar o corpo com uma chuveirada. Nada funciona e o relógio já marca 23:30. Seu dia está um lixo, ela não consegue se sentir especial e tudo parece incrivelmente sem graça. O telefone apita e acende nela a teimosa chama da esperança, que é destruída ao constatar que se trata apenas de uma mensagem pré-pronta de felicitações de algum parente distante.
00:00. Fim. Toc-toc. Seu bom senso já se foi e ela abre a porta sem verificar o olho mágico. Ele está em sua porta, encharcando seu tapete de “limpe os pés”, um cartão da Hallmark na mão. Um minuto atrasado. São 00:01 e só agora seu aniversário tem cores.
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Deu vontade de escrever alguma coisa e eu decidi pegar a idéia de um capítulo de uma história de tempos remotos (que provavelmente nunca vou terminar). Não saiu tudo aquilo mas eu fiz bem rapidinho

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